🗣️ Transcrição automática de voz para texto.
[Música] [Aplausos] [Música] muito boa tarde a todos muito bem-vindos à Feira do Livro Este é o primeiro debate Na praça da fundação sobre os ensaios e Retratos da fundação Francisco Manu Santos Hoje vamos falar sobre analfabetismo ou vamos falar sobre um dedo borrado de tinta histórias de quem não pde aprender a ler de Catarina Gomes que saiu há muito pouco tempo para As bancas connosco está a autora Catarina Gomes a jornalista e escritora Anabela Mota Ribeiro e a professora Carmen cavaco que é professora associada do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e investigadora na área precisamente da formação da dul este livro Catarina é um livro sobre a vergonha de não saber ler e escrever mas ao mesmo tempo o enorme orgulho de se aprenderem outras coisas quando não se sabe ler ou escrever certo eh certo sabe eu quando fui para o casteleiro a tentar arranjar entrevistados percebi pensei muito na Anabela Anabela é a nossa entrevistadora Mor aou entrevist deira eu pensei muito nesta a técnica da da entrevista é se calhar das mais difíceis em termos Jal diz também é mais Generosa não é aquela em que a pessoa tem que se deixar ir mas eu vim a falar com estas pessoas a perguntar-lhes como é que é viver hoje em dia não sabendo ler e as pessoas não queriam falar sobre esse assunto de todo e nós muitas vezes quando entrevistamos e é nomeadamente na por escrito sabemos que P aí e a Felipa também sabe isso que se calhar 90% daquilo que as pessoas dizem não se aproveita que chamaríamos palha mas o que eu que me estava ali a acontecer é que a maior parte das coisas eram de facto ao lado e o que é que eu ia fazer com estes desvios E então eu acho que uma ideia que prepass este livro é esta ideia de integrar o desvio à conversa porque ele é altamente significativo ou seja Estas pessoas não queriam falar sobre o que não sabem querem dizer-me aquilo que sabem Apesar não saberem ler e há uma senhora que diz uma frase muito bonita que é eu sei tudo menos ler h e e e eu a certa altura no fundo na verdade Tive que me deixar ir porque esta coisa do Eu comparo a certa altura a entrevista também pensei muito ensa a ideia da entrevista como um de Ferro em que nós a certa altura há que deixarnos ir e às vezes esse essa ideia de nós irmos atrás das pessoas também é a forma ou seja nós levamos uma ideia fixa do que é que queremos às vezes até levamos as idei as respostas que esperamos ouvir e quando é tudo ao lado há que saber sentir e aceitar e integrar isso então a evasão e o fugir com o rabo à seringa Se quiserem é de facto se calhar a ideia prassa todo o livro Sim tu escolheste um sítio preciso não é eh casteleiro porquê sendo que já Se alteraram as estatísticas não é já houve mudanças exatamente sim a estatística foi um pretexto Ou seja eu queria encontrar um sítio Pequenino onde eu pudesse no fundo ter H uma um microcosmos onde a minha ideia era no fundo Tentar conhecer o Portugal de há 60 70 anos num sítio agora e então eu fui ao iné e casteleiro surgia em 2011 como a a freguesia com maior taxa de analfabetismo 40% o que era uma uma percentagem enorme e eu pensei assim é mesmo isto Danto meteu-se a pandemia e tudo mais e as estatísticas saíram e entrante casteleiro passou para oitavo lugar mas na verdade a estatística é só um pretexto porque se na verdade Se nós formos olhar para para a região o norte nem sequer é a região com maior taxa altismo mas S uma alentejo o casteleiro foi apenas um pretexto e eu quis muito fugir essa ideia de estar havia-se perigo de estigmatizar e dizer a freguesia com maior taxa de analfabetismo foi uma um a ideia de eu tinha que escolher um sítio e foi aquele e até a ideia de de de no fundo eles terem saíd do pódium Se quiserem até até acabou por ser interessante não interessa eu queria era perceber como é que que relações é que as pessoas estabelecem um umas com as outras quando a grande maioria não sabe ler ao mesmo tempo tu tens uma história familiar as tuas avós não sabiam ler não sei se os teus avós sabiam ler os meus avôs sabiam ler e as minhas avós não sabiam ler e isso obviamente não é H todo um acaso Aliás o se recuarmos aos anos 50 metade das meninas não foram à escola 30% dos meninos não iam à escola seja um enorme desfasamento e eu conto seis histórias cinco de senhoras não foi de propósito foi de facto se calhar porque elas são as que os homens morrem mais cedo mas porque o a grande parte das das das pessoas que ainda não sabem ler desta geração são mulheres e não é por acaso Se quiser Se pudermos se fosse possível estabelecer uma espécie de lei da probabilidade quem é que aprenderia a ler ou não não era ser rapariga tirava grandes possibilidades de se aprender a ler uma família pobre e ser a mais velha ser a mais velha ser rapariga era muito provável que de toda a fratria fosse aquela que fosse relegada para que ficasse em casa para tomar conta dos irmãos que iam nascendo mas depois havia assim uns acasos por exemplo a última História que eu conto que é da Dona Olívia ela era a segunda ou seja meteram na escola a Delfina eraa a irmã mais velha acontece é que a Delfina quando ela foi caiu do burro e partiu não sei se a cabeça então acabou por ser a segunda a ter que ficar em casa a fazer aquilo que a primeira agora já não podia fazer ou seja havia uma série de casos que faziam com que uma espécie de lutaria da da alfabetização para Além da questão de serem mulheres e e e quanto mais velhas mais probabilidade teriam de não ir à escola tu falas de um ditado daquilo que passou a ser um ditado creio não é frases que te ficaram na cabeça e a partir desta reportagem e uma delas é pelo sangue entra a letra e tem a ver com isto não é com o ambiente familiar com uma herança também o eu dois provérbios que eu não conhecia o saber não dá pão que nós estamos hoje em dia completamente contraintuitivo não é a ideia de que o saber é que dá pão e pelo sangue entr a letra é que é um provérbio muito mais triste do que isso era a ideia de que para aprender as pessoas tinham os mos tinham que levar ah levar no sentido de levar portanto não é o sangue hereditário é o sangue não não era no sangue podia sangrar ou não mas violenta violência no sanque da violência Ou seja a escola como um sítio de violência e de medo e a ideia de que essa é se calhar ainda muitas pessoas acham que as pessoas tê a disciplina e o castigo castigo físico neste caso Anabela eu como tu tens uma experiência que é teres crescido ent asos Montes creio que tens duas avós também eh que não sabiam ler nem escrever falas diso já falaste várias vezes mas também aparece no teu livro no quarto do bebé eh mas eu antes de tudo queria que falasse sobre Esso sobre isso mas também que nos desses a tua impressão sobre o livro da Catarina antes de mais como leitora bom então boa tarde eh e antes de mais muito obrigada à Catarina pelo privilégio de ler este livro que é uma joia E que nos permite o olhar para um país que parece longino e que é ontem eh e ao mesmo tempo h interrogarmos a nossa própria biografia a antes de falar das avós analfabetas e e e desse Portugal e do livro propriamente eh gostava só de responder ao teu cumprimento provocação sobre Como entrevistar H eh porque eu acho que entrevistar é sobretudo escutar mais do que perguntar e é isso que tu fazes não é e e claro que há técnicas diferentes e também há eh formatos diferentes a televisão exige que sejamos muito mais disciplinados porque há um tempo e uma noção de plateia que nos obriga a ser muito mais focados mas quando estamos a entrevistar alguém e depois vamos aproveitar algo apenas daquilo que essa pessoa diz hh aí aquilo que predomina é é a escuta e é essa nossa capacidade de eh deixar que o entrevistado conduz à entrevista de uma certa maneira eu eu uso muito para mim mesma h imagens que são da natureza eu gosto eu gosto de pensar que eu forneço umas margens muito maleáveis mas que o rio e o movimento do Rio é aquele que a própria pessoa quer e eu senti isto muito quando H li estes testemunhos quando li o teu livro porque era manifesto que estas pessoas tinham eh um embaraço uma vergonha mas uma noção de falta porque não tinham aprendido a ler e escrever falha e mas ao mesmo tempo tinha um brio naquilo que são as coisas ligadas à sobrevivência quase sempre e ao asseio H E ao Labor que é feito com as mãos e e e isto parecia uma coisa muito h e muito bela e quase uma Justiça poética não é porque era possível suprir essa falha era era possível suprir essa vergonha com tudo isso que as pessoas sabiam fazer e eu também sublinhei para mim mesmo essa frase aquele diste Felipa que é não aprendi a ler só aprendi a fazer isto está na página 45 e depois logo a seguir está uma outra frase que diz algo parecido que é só não se ler mas de resto sei fazer tudo uhum pronto são frases irmãs e mas que corroboram esta ideia de que H Apesar dessa falha foi possível erguer um mundo pronto eu acho este livro muito importante para e de facto olharmos para o nosso país e e isto também me ligou muito a um trabalho que eu tenho desenvolvido desculpem falar do meu trabalho e falar na primeira pessoa mas desde que tenho feito os filhos da madrugada desde 2021 tenho compreendido de uma forma esmagadora que duas Três Gerações para trás nós estamos nisto de que tu falas no livro e que é pobreza ruralidade e analfabetismo e o país era assim e as três coisas estão ligadas e tu traças cenários de uma extrema pobreza quase sempre isto se passa num no campo num contexto Rural e é uma realidade a de duas três e gerações hh atrás da nossa que somos nascidas na década de 70 mais ou menos portanto ao ler este livro Apesar diste ser distrito da Guarda ser uma geografia diferente da minha eu identifiquei a minha história aqui eu achei que isto podia ser o interior Norte podia ser Trás os Montes que estas mulheres podiam ser as minhas avós e que esta que escreve podia ser eu não é esta que já está no lugar não do trabalho braçal mas no lugar do trabalho eh intelectual não é e portanto enquanto leitora H eh Isto deu um grande H regozijo um grande prazer hh e aprendi muito que é sempre uma coisa muito muito muito boa também eu não conhecia estes estes terríveis ditados eu só conhecia aquele aquele terceiro H ligado ao trabalho infantil eh e muito próprio do estado novo que é trabalho do menino e é pouco quem o desperdiça é louco não é o que também já diz muita muita coisa mas os dois são muito mais terríveis e porque tem que ver com o com o castigo físico e e com o saber não ser valorizado não dar pão deixa-me pegar aí falar com a Carmen precisamente porque há muitos analfabetismos não é ao analfabetismo funcional ou seja nós já nos libertamos eh já vamos falar também sobre esta ideia de que o que a Catarina apresenta no livro é uma espécie de arqueologia e que se quer que seja arqueologia e tu dizes muitas vezes que quer que essas pessoas fiquem escondidas e que não se mostrem não é porque é algo que queremos ultrapassar Mas por outro lado surgem outros tipos de analfabetismo hoje em dia não é Carmen ainda antes de irmos para o analfabetismo de adul alfabetização de adultos e tudo o resto Boa tarde eu também agradeço o convite felicito a Catarina eh pelo pelo livro pelo tema do livro Como já for foi aqui identificado parece-me que foi escrito com uma grande sensibilidade com um grande sentido político e ético e que vai revelando em toda a escrita h o analfabetismo é um fenómeno Sil AD e invisibilizado na sociedade portuguesa eh e por isso este livro é muito importante porque ele retrata a vida das pessoas porque também com o analfabetismo quando se fala deste fenómeno com frequência ficamos apenas pelas estatísticas e a estatísticas depois são lidas como eh residuais é um número muito baixo neste momento temos cerca de 3% da população portuguesa considera-se o número residual mas este número residual eh significa que há mais de 200 e 90.000 pessoas em Portugal que ainda são analfabetas e portanto Imaginem o que será nós não conseguimos imaginar o que é viver numa sociedade altamente letrada como a nossa que sem possuir estas competências de leitura escrita ag Já conseguimos mais ou menos com o livro da com o livro da Catarina ele dá-nos muitas pistas para perceber a vida destas pessoas as estratégias que vou adotando eh mas de facto este livro permite colocar o tema do analfabetismo no espaço público e eu acho que só só por isso eh já já a Catarina está está de parabéns pelo pelo trabalho que fez e depois eh ele vai eh eh eu gostaria antes de passar ainda à questão do dos vários tipos de analfabetismo eh destacar esta sensibilidade com que a Catarina foi escutando os analfabetos eh Porque se o objetivo inicial era perceber o seu défice o o o porquê do do analfabetismo o porquê de não dominarem a leitura escrita e sobretudo as dificuldades pelas quais foram foram passando ao longo da vida pelo facto de não dominar estas competências mas a Catarina ia-se confrontando sistematicamente com eh eh com o a a pouca vontade que estes adultos tinham para falar sobre o sobre sobre esse défice e de facto nós podemos pensar quando nos colocamos no lugar do outro ninguém gosta de falar sobre o que não sabe nós gostamos de falar é sobre aquilo que sabemos sobre aquilo que dominamos e portanto Estas pessoas não são diferentes de nós são iguais a nós o saber é uma questão ID Ária e portanto quando nós eh somos partilhamos no dia a dia o nosso quotidiano com outras pessoas estamos sempre incidir naquilo que sabemos e muito raramente naquilo que não sabemos a Catarina foi tendo a sensibilidade e lá mais para o fim do livro do livro começa a dizer de facto a dar muita atenção Já àquilo que as pessoas sabiam e eu acho que isso é muito relevante neste livro porque nos permite construir aqui um olhar sobre os analfabetos que é São pessoas foram aprendendo através da experiência de vida e que detêm saberes que são muito importantes nas suas vidas para a sua integração na sociedade para o seu contributo que dão na sociedade mas também em simultâneo e percebemos que estas pessoas pelo facto de não dominarem a leitura e a escrita tiveram uma vida extremamente difícil porque o direito à educação foi-lhes negado desde sempre desde a infância portanto na infância foi-lhes negado por razões relacionadas Sobretudo com a pobreza da Família com o contexto socioeconómico e político do país eh e depois há um conjunto de outros fatores muito complexos justificam estas elevadas taxas de analfabetismo em Portugal h e eh eh até ao momento eh nós continuamos eh o estado português continua a negar este direito a aprender a ler e a escrever a estes adultos Eh agora focando na questão dos vários tipos de analfabetismo qu o o livro da Catarina H foca-se nos adultos que não sabem ler nem escrever portanto aqui falamos de analfabetismo literal mas à medida que a sociedade foi evoluindo os desafios são cada vez mais complexos h não basta saber ler e escrever eh por vezes as pessoas dominam a leitura e a escrita mas de uma forma ainda incipiente para resolver problemas do seu cotidiano e por isso aí falamos de analfabetismo funcional quando domínio da leitura e da escrita e de outras competências mas que não é Ainda num nível suficiente para resolver problemas do dia a dia que são fundamentais ora esta introdução do do analfabetismo funcional é é algo muito dinâmico porque se aquilo que era necessário que os problemas do dia a dia nos anos 50 60 70 80 têm sido sempre vão sendo gradualmente complexificadas e são diferentes e portanto nós neste momento deparamos-nos com um conjun con junto de de de desafios não é na atualidade e podemos inclusivamente a partir desta desta perspectiva considerar que nós todos temos um bocadinho de analfabetismo porque se a partir do momento em que este analfabetismo é funcional e exige o domínio de um conjunto de competências amplas para resolver os problemas na nossa vida portanto se podemos falar em analfabetismo digital em analfabetismo linguístico em analfabetismo económico ou seja os analfabetismos relacionados com com dimensões eh eh com competências que são fundamentais para a nossa sobrevivência para a nossa qualidade de vida e para o nosso bem-estar e por isso isso permite dizer que neste momento há para além do analfabetismo literal em Portugal um número ainda muito significativo de adultos Mas também se falarmos em analfabetismo funcional esse número fica eh difícil por um lado de perceber não conseguimos perceber a dimensão deste fenómeno a porque ele é é é muito amplo h e a e é evolutivo está sempre a Aerca da vez eh o os níveis exigidos às pessoas são cada vez maiores Além disso há um outro fenómeno que é o analfabetismo regressivo que é quando a pessoa já possuiu as competências os saberes necessários para resolver determinado tipo de problemas mas que por razões diversas sobretudo porque não usou aqueles saberes vai perdendo vai esendo e portanto isso permite-nos também dizer há pessoas Eu por exemplo quando H eh realizo investigação junto de pessoas que não sabem ler nem escrever e ou então que tem que são adultos pouco escolarizados por vezes apercebo pessoas que já dominaram mais as competências de leitura e de escrita e que naquele momento pelo facto de não terem usado ao longo da sua vida foram regredindo foram esquecendo Catarina para entrar Aliás já falaste um bocadinho início mas eu gostava de que que falasse mais ainda porque tu és uma excecional e Repórter como há poucos infelizmente neste momento eh também pelas condições ou pelas poucas condições que existem e para se fazer reportagem e e com a Tua sensibilidade É verdade que vais chegando aos sítios e vais conseguindo chegar às pessoas mas há pessoas especiais que te abrem a porta e uma delas eu gostava que falasse que é Beatriz Costa nabais que é funcionária da junta de Freguesia gostava que as apresentasse e é o papel que ela tem junto dos das pessoas que não sabem ler nem escrever no casteleiro sim deixa-me só já agora terminar esta a sexta história do livro é precisamente da Dona Olívia que soube assinar o seu nome e porque houve uma voluntária que ela à aldeia deixou de ir e ela perdeu o nome ela chegou a pensar em em mudar todos os documentos e não o fez e ainda E ela diz ainda bem que não o fiz porque agora já não sei assinar então o H em todas as reportagens nós precisamos de uma espécie de um um guardião que é a pessoa que nos vai abrir a porta que é uma pessoa fam se eu chegasse lá ao casteleiro e dissesse Ah eu venho escrever um livro ninguém me abriria à porta então eu tive que arranjar aqui uma espécie de interlocutor e foi a pessoa certa é uma senhora chamada Beatriz Costa Navais que é não só funcionária da junta de Freguesia como também eles mantém o costo de correio ou se ela também é a leitora eu chamo-lhe decifradora ou a juntad de letras porque há muitas destas pessoas que reconhecem as letras mas não sabem dar significado à União das Letras né E então Esta senhora foi um bocadinho mas a pessoa que me franqueou H as portas literalmente e me franqueou a entrada nestas vidas e Catarina é uma espécie de anjo das letras para aquelas pessoas não é porque as cartas que chegam ela que as lê sim e que supostamente uma espécie de confissionário assim que este cifro é que supostamente mantém segredo e e e que inclusive o que é engraçado é que eu quando lhe disse esta coisa dos 40% não saberem ler em 2011 ela sabia claro eu disim mas olha eu não sei quem são a maior parte das pessoas porque as pessoas na verdade só apareciam e eram sobretudo as mulheres quando enviavam os maridos e faziam aí essa parte de suprir a a não o a a não capacidade o não ler e quando os maridos morrem elas vêem-se obrigadas no fundo a revelar a sua falha e at com a Beatriz mas a Beatriz é uma uma senhora recatada que e discreta que sabe guardar segredos queres alguma história especialmente que te marcou várias terão Marcado Com certeza queres destacar uma delas hum se calhar uma da a Dona Conceição porque faz um bocadinho ponto talvez como de forma não sei se foi intencional ou é como com o romance que eu escrevi que é o terrinhas é uma senhora que me quis levar aos Campos e e eu não e no meu livro no meu romance é falo muito sobre a importância das batatas As batatas são uma espécie de fio condutor da do livro e esta Senhora no final depois de me ter dito olha tá a ver aquilo que eu sei eu eu cultivo batatas coves e tudo isto e tomo lá um saco de patatas e eu achei que isso fazia um bocadinho rima com aquilo que escrevia é um bocado a ideia de o símbolo daquilo que ela sabe fazer eh ela sabe cultivar batatas que são boas que são dali que são e que ela manda aos filhos que um vive no Algar outro em Lisboa era um bocadinho o símbolo desse o símbolo físico e visual é alimento eu não sei cultivar batatas e e era um bocadinho essa ideia de que ela quisme levar aos seus Campos que estão semi abandonados outros são estão semi abandonados mas ela quer que eles Hum que ninguém lhes toque que estejam também existe no campo a ideia de seio de da coisa tá lavrada ela já não cultiva porque já não tem pernas mas aquilo tem que est lavradinho tem que est Limpo de ervas daninhas e ela quisme mostrar isso assim aqui ninguém tá viu como táa bem levadinha e depois foi-me contando as histórias do resto do dos terrenos os campos como uma espécie de fio condutor também do seu saber Carmen aqui falamos dos Tais adquiridos experienciais não é eh O que é que o que é que ISO que significa o que é que essas palavras querem dizer então os adquiridos experienciais significa que nós todos vamos adquirindo eh um conjunto de recursos de saberes de capacidades de competências através da nossa experiência de vida eh portanto h no fundo o estigma que está associado ao analfabetismo também passa muito pela hegemonia da forma escolar do Saber escolar e que é muito valorizado na sociedade e que tem vindo a contribuir para para para A negação de outras formas de aprendizagem e quando se estuda o processo de formação de adultos percebe-se claramente que as pessoas mesmo as mais escolarizadas muito do que sabem é adquirido através da experiência de vida e portanto todos esses saberes que vão sendo adquiridos através da experiência de vida por via da ação de outras pessoas da experimentação do ensaio erro da reflexão H vão contribuir para um conjunto E de de de recursos que são individuais que são únicos que são nossos que por isso é que estão muito ligados à nossa identidade aquilo que nós sabemos é diferente daquilo que as outras pessoas sabem podemos partilhar saberes podemos ter saberes muito semelhantes mas de facto os saberes adquiridos através da experiência tem essa dimensão muito singular porque embora eles resultem do contacto com os outros do processos de socialização no fundo somos é cada sujeito que se apropria deles que os que os reconstrói que lhes dá forma que lhes dá sentido e por isso mesmo a pessoa sente que foi ela que que sozinha com muita frequência os adultos analfabetos dizem ninguém me ensinou Eu eu aprendi sozinho não é e este aprender sozinho não quer dizer que as pessoas tenham aprendido de uma forma isolada mas aprenderam porque eles fizeram um trabalho cognitivo e esse trabalho cognitivo é é muito desvalorizado porque pensa-se que só faz um trabalho cognitivo quem aprende na escola e isso não é correto h não não é verdade não é correto todas as pessoas como se o acesso eh não terem acesso significasse não terem capacidade para isso mesmo é que é um enorme erro não é deixa-me só eu é uma falha isto tá a dar Tá simim sim eu esqueci-me de dizer que é assim na verdade a grande inspiração para este meu livro foi um livro da professora Carmen cavac chamado aprender fora da escola percurso de Formação experiencial tem o nome enfim pronto é académico assim a pessoa pensa-se ou seja se calhar eu não mas depois eu comecei a ler Isto é que sei lá há muito tempo a Há 9 anos eu pensei um dia gostava de fazer uma reportagem sobre isto mas na verdade e e a Carmen fala muito desta coisa das estratégias de superação de compensação e como é que se sobrevive na verdade foi esta abordagem a grande inspiração foi este livro da Carmen cavaco que é uma investigadora é um livro académico eu no fundo na faz dei corpo dei dei corpo a uma a um corpos académico Se quiserem e não queria deixar-lhe referir sim e e deste-lhe uma forma humana nabela que o Agora sim saber das tuas avós e da tua experiência também ou no meio em que tu cresceste é juntar se puderes estas duas coisas não que elas sabiam muito eh quando afinal não sabiam ler nem escrever eu gostava de sublinhar duas palavras que foram ditas pela Carmen que foi ética e política há de facto uma dimensão ética e política eh evidentes na maneira como a Catarina trata este tema eh é um tema muito delicado com um linder muito grande e e é muito extraordinário um momento em que tu H assumes que foste eh inadvertidamente desastrada e ofendesse uma pessoa eh quando lhe perguntaste se ela sabia contar até 42 acho que era assim era até 12 e e ela ficou danada Ah muito obrigada e portanto este este respeito com que se avança ah este cuidado adicional quando se está a lidar justamente com a fragilidade das pessoas eh é uma coisa que eu não queria deixar de sublinhar e que me parece perfeitamente conseguida eh aqui eh neste livro eh também acho que sendo isto um retrato antropológico H é a nossa autobiografia que está aqui e tu de uma maneira Subtil em dois momentos especificamente ent uzes os teus elementos autobiográficos e eu poderia e vou inscrever os meus aqui também quando tu Tent rogas sobre como seria a caligrafia das tuas avós no caso delas terem assinado sequer e fazes essa procura e depois o outro momento que é o momento mais trágico mais triste do livro quando percebemos como a humilhação e o castigo físico pode conduzir uma ao fundo do poço e tu devolves imediatamente esta questão ouou como como não espalho tu tu vê no reflexo porque tens filhos cuja idade está entre entre a idade deste deste miúdo e isto é é muito violento e e e é muito é muito difícil de escrever e tu Consegues de facto dar-nos esta dimensão Auto autobiográfica hum eu acho que é impossível nós falarmos dos nossos avós e analfabetos depois do discurso do nóbel do Saramago e sem pensarmos imediatamente naquele começo o meu avô era o homem mais sábio que eu conheci não sabia ler nem escrever pode haver aqui um elemento mitificado não é e e a sabedoria e o conhecimento são coisas diferentes também também sabemos isso Ha e mas mas se eu penso mas se eu penso na minha vó materna sobretudo existe uma diferença muito grande e entre se calhar não muito grande mas grande significativa entre a família materna e a minha família paterna e hoje dou-me conta disso dou-me conta de alguns Símbolos na minha primeira infância o meu avô paterno tinha carro eu hoje Compreendo o que é que isso queria dizer nessa altura e o que é que queria dizer ir à aldeia onde nós vivíamos onde eu vivia até aos 6 anos e ele chegar de carro e nós usarmos Transportes camionetas são coisas que era assim que é uma expressão também usada no livro não não temati isto eh mas hoje com esta distância conseguimos compreender que havia alguns sinais de classe que faziam Eh toda a diferença e o meu avô paterno por exemplo sabia ler e escrever e quase todos sen não todos os irmãos do meu pai têm eh licenciatura portanto há há umas eh peças que eu hoje consigo encaixar de outra maneira e que tem como que uma coerência a partir de alguns sinais que estavam que estavam lá mas no caso da família da minha mãe Eh que é uma família com raízes rurais eh muito pobres e e com uma avó eh com quem eu tinha uma relação privilegiada e que e que era analfabeta hum eh eu eu eu não pensava que a minha avó era analfabeta isso não me eh não me incomodava não é a palavra era assim a minha avó não L ES e não era uma situação muito diferente daquela que eu encontrava nas outras nas outras avós nas outras avós H agora o que eu me lembro Isso sim é de ser pequena e de H escrever cartas para adultos e pediu-me que escrevia que escrevesse cartas para adultos que estavam emigrados eh eu tive uma sorte muito grande de que também só me dei conta muito recentemente que foi fazer duas vezes a primeira classe porque eu tenho um irmão um ano mais velho que entrou portanto um ano para a escola primária matriculado H eh e que fez a primeira classe eu não queria ficar em casa portanto eu ia para a escola também e e portanto aprendi a ler cedo a ler e escrever cedo e depois quando fui para a escola primária já matriculada hh eu já tinha um conforto e um gosto na aprendizagem que penso agora foram determinantes para a maneira como eu desde sempre eh tive gosto na escrita das redações por exemplo ou na ou na leitura h eu nunca apanhei nunca apanhei bolos era assim a palavra que se usava na minha infância para as reguadas era bolos que é uma palavra horrível porque é uma palavra doce boa não éo era bolo vais apanhar um bolo e era tantos bolos quantos os quantos os erros que se dava nos ditados Catarina Tu não não falas em bolos mas falas de uma professora que te disse esta aluna está fraca sim sim ou seja do que é que isso significou para ti não é sim eu Eu pus-me muitas vezes nessa Ou seja eu escrevi um outro livro que se chama coisas de Lucos que é um bocadinho sobre os os O que é que nos acontece no nosso tempo o nosso tempo é determinante para aquilo que nos vai que era nós adoecemos com doç mental o século XIX é diferente assim como esta coisa do da nossa capacidade de escrever ou não eu fui toda a gente diz ai eu escr aprendi a escrever precocemente eu aprendi a escrever muito tardiamente eu fazia parte do grupo dos burros Eu Rodrigo e o Carlos gostava de saber eu gostava aliás de saber o que é feito do Rodrigo e do Carlos porque ou seja ninguém me disse não era ninguém menhor belo par de jarras exat nós tínhamos nós fazíamos fichas especiais e e e eu apercebi-me disso depois mudei de professora e e de repente Afinal o problema não era meu era da professora e e eu mas eu recu senti necessidade de voltar eu estou sempre a tentar fazer ponto esta coisa do menino que se atira ao poço e eu comecei quase a chorar na Biblioteca Nacional quando percebi que aquele miúdo se suicidou por causa da escola e tinha as mãos negras de tanto levar bolos e deu deu meu de ser ter 11 anos e eu ter um filho de 13 e de 11 eles fazeram ser a média dos Meus dois filhos nós estamos constantemente a pôr a nossa biografia e esta coisa do não L eu tive dificuldade em aprender a ler a escrever se eu tivesse vivido neste tempo dizia ó uma filha vais para casa vais Tomas conta do que quer que seja enfim ou seja tem tudo a ver com o nosso tempo não tem a ver com as nossas capacidades Ou seja eu teria tido o mesmo destino da minha da minha avó e ou se calhar el dela até se fosse à escola não não ia para o grupo não ia para para o pé do Carlos e do Rodrigo percebe é tudo uma questão de acasos e há que homenagear Estas pessoas e não não as Não Dizer el eles não não sabem ler ou escrever porque não que não podem ou porque não sabem porque não puderam eu histórias de quem não pôde não é de quem não sabe é de quem não pôde tem a ver com com a circunstância e a possibilidade que tem a ver com o tempo histórico com com a circunstância familiar eu acho que isso temos que sempre fazer esse exercício de de humildade e eu hoje escrevo como profissão e acho que não escrevo mal e no entanto aprendi a ler para aí com oito anos e era dos percebem este exercício de de olharmos para trás e eu gosto muito de da literatura ou da não ficção em que nós nos expomos as nossas falhas não gosto muito daquela coisa do e eu gosto de quer dizer não é não é totalmente mas a ideia de expormos as nossas fraquezas porque eu acho que isso faz ponto com com as fraquezas de quem lê e bem os teus entrevistados as tuas entrevistadas expõem-se muitíssimo eh vou ler só aqui um bocadinho já falaste sobre a Olívia mas também para vermos um vermos como foi boa a tua escolaridade terceiro ano terceira classe Volto à assinatura vacilante de Olívia demor nela agora prende a sua pequenez e a forma como a arrumou no papel Embora tenha toda a folha Branca disponível começou o seu pequeno e torto o junto à margem superior encostado Ao canto superior direito Talvez queira poupar o papel ou acha as suas letras desmerecedor da folha que arranquei do meu caderno mas depois recordo as suas palavras quando me contou que chegou a escrever o seu nome en Carreirinho não desmanda o risco Isto é citação e parece-me que o mais provável é que se tenha sentido desamparada na folha em branco sem sítio por onde começar nem linha onde apoiar as seis letras do nome próprio é muito bonito conseguiste conseguir poeticamente até dar a ver este desamparo de alguém que enfim até a pouca relação que tem com as letras não sabe onde arrumá-las não sabe onde onde apará-las eu ia passar para a Carmen que trabalha precisamente isto não é com pedagogicamente como é que se se trabalha a formação de adultos que não sabem ler e escrever e também o papel do professor bom então esse tema é de facto muito importante porque aquilo que tem acontecido em Portugal H sobretudo a partir de dos anos 90 é uma uma uma ineficácia das políticas públicas relativamente à alfabetização de adultos por um lado ineficácia e mais tarde mesmo inexistência neste momento nós em Portugal não temos políticas públicas que permitam a estes adultos interessados em aprender a ler e a escrever a realizar estas aprendizagens Isto é um problema eh que tem vindo a perdurar de qualquer forma quando nos anos 80 nos anos 70 nos anos 80 e nos anos 90 que tínhamos alfabetização de adultos integrado em políticas públicas também se verificava a ineficácia destas medidas e um dos uma das dimensões da ineficácia prendia-se principalmente com a falta de formação dos educadores que que se ocupavam da alfabetização de adultos porque reproduziam o modelo escolar que usavam com as crianças para os quais eles tinham formação e procuravam aplicá-la aos adultos e isto infantilizar aos adultos eh tornava-os no fundo era eles sentiam-se eh crianças naquele espaço até porque com muita frequência as aulas eram eram lecionadas nas escolas primárias no no no à noite não é Portanto o professor que dava aulas Aos aos alunos de dia usava o mesmo espaço e e eh lecionava as aulas à noite para adultos o mobiliário era inapropriado para adultos e Eh toda toda todo o contexto e a abordagem pedagógica feita pelo professor também eh eh desadequada para os adultos eu tenho uma história que vos posso contar de uma investigação que fiz com adultos analfabetos que retrata penso que muito bem mais do que as palavras que eu vos possa aqui e dizer h o sentimento eh negativo que algumas destas pessoas que procuraram ainda na idade adulta e na adultez tardia aprender a ler porque de facto é uma pena sentem-se muito constrangidos sentem uma mágoa muito grande por não ter conseguido desenvolver estas competências h e quando a vontade é muita alguns arriscam e já idosos a a a aprender a ler e a escrever foi o caso de uma senhora que eu entrevistei há alguns anos e que me disse que tinha desistido depois de uma tentativa eh e e e contou uma história eh de de um dia em que decidiu h vestir-se de criança pediu a roupa vestiu a roupa da neta foi com uma saia fez UMS Totós pediu a mochila à neta e foi para a escola portanto ela era uma mulher muito dinâmica naquela comunidade era uma Líder naquela comunidade e eh e por isso ousou fazer mostrar aquilo que estava a sentir chegou à escola vestida de criança e comportou-se como uma criança disse naquele dia eu passei o o tempo todo a pedir à professora para ir à casa de banho ela ela no Fundo interior interiorizou o papel que que estava a ser projetado que lhe estava a ser dirigido permanentemente naquele espaço depois e depois e depois quer dizer os colegas acharam piada acharam graça a professora riu-se penso que talvez tenha percebido um pouco mas também não não vos asseguro que tenha Acontecido isso mas o certo é que ela passado umas semanas desistiu deixou de de de ir àquelas aulas e isso mostra o quanto estes adultos que têm eh desde logo uma grande dificuldade em assumir que que são analfabetos e por isso como eles próprios querem silenciar essa sua condição porque ninguém gosta de assumir que não sabe que é tem uma lacuna porque eles de eles sentem-se responsabilizados pela condição que têm não é hum e eh São poucos aqueles que que que que que que procuram mais tarde eh ao longo da sua vida a colmatar esta lacuna e aqueles poucos que o fazem depois deparam-se com problemas na formação de educadores com métodos pedagógicos que não são adequados e isso de facto é um grande problema há metodologias adaptadas que valorizam a experiência de vida dos adultos e que partem daquilo que eles sabem partem dos saberes que são saberes ligados à sua sobrevivência à sua à suas história de vida é um ensino muito personalizado e e e a alfabetização destes adultos tem que passar por aí tem que passar pela pela valorização daquilo que as pessoas já sabem do seu dos seus saberes e depois sim partir para a aprendizagem mas uma aprendizagem que é contextualizada na sua vida o livro da Catarina Com certeza contribui também para esta valorização daquilo o das histórias de quem não pode aprender a ler mas aprendeu muitas outras coisas muitíssimo importantes e que se deve valorizar por isso muito obrigada a todas OB obrigada muito obrigada [Música]