O Papel das Políticas Fiscais na Redução das Desigualdades em Portugal: Um Debate Necessário
À medida que Portugal navega pelas águas turbulentas da recuperação económica pós-pandemia, o tema das desigualdades sociais e económicas tornou-se uma questão central no discurso público. As políticas fiscais, frequentemente relegadas a debates técnicos, surgem agora como uma ferramenta poderosa, mas controversa, na luta contra a desigualdade. Mas até que ponto estas políticas têm sido eficazes? E será que o que está em jogo na discussão fiscal é simplesmente um ajuste numérico ou uma oportunidade de transformação social?
Nos últimos anos, Portugal tem visto um aumento na conscientização sobre a crescente disparidade entre os mais ricos e os mais pobres. Segundo o relatório da Eurostat de 2022, a taxa de risco de pobreza em Portugal subiu para 17,2%, acima da média da União Europeia, que se fixou em 16% no mesmo período. Estes dados são alarmantes e evidenciam uma realidade que poucos podem ignorar: as fragilidades do Estado de bem-estar social, que, embora tenha provado ser robusto em muitos aspectos, revela lacunas significativas quando se trata de segurança económica para todos os cidadãos.
As políticas fiscais, que englobam a tributação e a redistribuição do rendimento, têm um papel crucial na mitigação dessas desigualdades. O sistema de impostos sobre o rendimento, por exemplo, é um dos principais instrumentos que o Estado possui para contrariar disparidades. O imposto sobre o rendimento (IRS) em Portugal é progressivo, o que significa que quanto maior o rendimento, maior a taxa de imposto. Contudo, em 2023, a receita fiscal gerada por este imposto foi apenas parcialmente utilizada para financiar serviços públicos essenciais, que deveriam garantir uma base sólida para todos. De acordo com um estudo da Comissão Europeia, cerca de 57% dos gastos sociais em Portugal são investimentos em pensões, enquanto apenas 8% são direcionados à educação. Esta distribuição desigual levanta questões sobre a eficácia das políticas fiscais em promover uma igualdade social real.
Mas e as medidas de austeridade que o país enfrentou na última década? Se, por um lado, Portugal conseguiu estabilizar as suas finanças públicas, por outro, as imposições fiscais tiveram um impacto devastador nas classes mais baixas e médias. O aumento do IVA e os cortes em prestações sociais criaram um efeito de bola de neve que prejudicou sobretudo os grupos vulneráveis. De acordo com a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), os produtos alimentares essenciais aumentaram 20% em média desde 2010, enquanto os salários estagnaram. Este descasamento acentua a indiferença face à pobreza e desmantela o argumento de que as políticas fiscais, sozinhas, podem resolver o problema das desigualdades.
Adicionalmente, numa era marcada pela inflação galopante, questões como a habitação e o acesso a serviços de saúde e educação de qualidade tornam-se cada vez mais prementes. O aumento descontrolado dos preços de rendas em cidades como Lisboa e Porto, onde o preço médio de um apartamento subiu 35% nos últimos três anos, expõe as falhas nas políticas de habitação e no sistema fiscal que, em teoria, deveriam apoiar as classes mais desfavorecidas. As críticas são inequívocas: as políticas fiscais, ao mesmo tempo que precisam de promover a equidade, devem também responder à realidade local e às necessidades dos cidadãos.
Com as eleições legislativas à vista, a pergunta que se impõe é: será que os responsáveis políticos estão dispostos a discutir soluções arrojadas para reverter este ciclo de desigualdade? As propostas incluem desde o aumento das taxas sobre grandes fortunas, passando por uma reforma do sistema de IRS que permita uma distribuição ainda mais equitativa das riquezas, até políticas de apoio real ao investimento em áreas fundamentais como a saúde, educação e habitação.
Portanto, o papel das políticas fiscais na redução das desigualdades em Portugal não é apenas um tema para economistas; é uma questão que afeta a vida de milhões de portugueses. As vozes que clamam por justiça social e maior equidade tributária devem ser ouvidas. O mundo está a mudar, e Portugal precisa estar na vanguarda de uma revolução que não meramente regule as contas, mas que também promova uma sociedade mais justa e inclusiva. Será que estamos prontos para esta discussão?
Estamos apenas no início de um importante debate que poderá determinar o nosso futuro coletivo. É hora de agir, antes que as desigualdades se tornem um legado que não podemos mais suportar. O que está em jogo não é apenas a nossa economia, mas o tecido social que une todos os cidadãos. Estamos preparados para dar esse passo decisivo?