À medida que os ecos da pandemia de COVID-19 se tornam cada vez mais ténues, uma nova realidade começa a moldar-se em Portugal. Uma análise profunda dos efeitos prolongados desta crise de saúde revela uma complexa teia de desafios sociais, económicos e políticos que afetam a vida de milhões de cidadãos. Com dados que não enganam, a verdade é que o impacto da pandemia ainda se sente de forma aguda, e as respostas às dificuldades encontradas estão longe de ser uma solução mágica.
A Realidade Endémica: Saúde Mental em Colapso
De acordo com o último relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 40% da população portuguesa afirmou ter sentido um aumento nos sintomas de ansiedade e depressão durante o período de pandemia. Estas estatísticas alarmantes não apenas falam de um problema imediato, mas levantam questões sobre a saúde mental a longo prazo. O apoio psicológico, promissores em papel, sofreu um retrocesso significativo, resultando em longas listas de espera e acesso limitado a serviços essenciais. A Sociedade Portuguesa de Psicanálise (SPP) já alertou que o “silêncio sobre a saúde mental deve ser quebrado” e que a “sociedade deve preparar-se para enfrentar uma epidemia psicológica”.
O Colapso do Sistema de Saúde
A crise não se deteve apenas na saúde mental. O Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma das jóias do sistema público português, foi forçado a refocar os seus recursos, abandonando cirurgias não urgentes e cuidados preventivos. Segundo dados da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, houve um aumento dramático nas taxas de cancelamento de tratamentos regulares, com mais de 300 mil consultas anuladas entre março de 2020 e dezembro de 2021. Esta realidade não só escandaliza, como versa em gravidade para a saúde de muitos cidadãos que viram os seus diagnósticos adiados, levando a um aumento das complicações e, em alguns casos, mortes evitáveis.
As Fracturas Económicas
O impacto económico da COVID-19 é igualmente pervasivo. Em 2021, Portugal registou uma quebra do PIB de 8.4%, uma das mais acentuadas na Zona Euro. Em resposta, o governo agiu rapidamente, com pacotes de apoio a empresas e trabalhadores afetados. No entanto, como constatado pelo Banco de Portugal, a recuperação é desigual, com as pequenas e médias empresas (PMEs) a enfrentarem desafios muito maiores do que as grandes corporações. Estima-se que cerca de 25% das PMEs possam fechar definitivamente até ao final de 2023, devido à ostentação de dívidas e à escassez de clientes.
A Polarização Política
Neste contexto de crise, a política também não ficou intocável. O descontentamento popular em relação à forma como o governo lidou com a pandemia resultou numa polarização sem precedentes. A ascensão de partidos de extremas, tanto à direita como à esquerda, reflecte uma sociedade à procura de respostas que ainda estão por vir. O recente aumento de manifestantes nas ruas, exigindo um debate sobre a gestão da crise sanitária e os respetivos resultados, mostra uma sociedade em ebulição, insatisfeita e que espera reverter o curso actual.
A Necessidade de Respostas Sustentáveis
O futuro de Portugal num cenário pós-pandémico não pode ser definido apenas a partir da recuperação económica. É crucial que as políticas públicas incluam a saúde mental como uma prioridade, além de reequilibrar o SNS para garantir que o acesso a cuidados de saúde seja equitativo e eficiente. O plano do governo de investir 1,2 mil milhões de euros em Saúde até 2026 foi anunciado, mas a sua eficácia dependerá de uma implementação transparente e participativa, onde a sociedade civil terá um papel crucial na supervisão dessa execução.
O custo desta crise, tanto em vidas como em despesas económicas, é mais do que um número em um gráfico; é a realidade de milhões de portugueses. É necessário criar um espaço de diálogo e busca de soluções inovadoras e inclusivas que abordem as necessidades da população nos seus diferentes estratos sociais.
Enquanto olhamos para o futuro, é fundamental que não se esquecem as lições aprendidas com esta crise, para que possamos não só reconstruir o que foi perdido, mas também construir um Portugal mais resiliente e justo.
A crise de saúde que assolou o mundo não nos deixou em paz, mas se conseguimos encontrar um propósito diante do caos, podemos emergir não apenas como sobreviventes, mas como inovadores na busca de um futuro mais equitativo. Esta é a hora da ação, não do silêncio. E a hora de agir é agora.