Nos últimos anos, a austeridade tem sido um tema recorrente nas conversas sobre o futuro de Portugal. Se nos anos da troika, de 2011 a 2014, a austeridade se impôs como uma imposição da autocomplacente Troika (FMI, BCE e Comissão Europeia), o legado desta política continua a ressoar nas vidas dos cidadãos, mesmo que os ventos pareçam agora mais favoráveis. Mas afinal, quais são os impactos reais da austeridade em solo português e quais são os desafios que o país ainda enfrenta?
Um Olhar para a História Recente
A austeridade chegou a Portugal após a crise financeira de 2008, altura em que o país viu a sua economia entrar numa espiral recessiva. Entre 2011 e 2014, o governo de Lisboa implementou medidas severas que incluíram cortes de salários na função pública, aumentos de impostos e reduções em prestações sociais. Segundo estudos da Universidade de Lisboa, estimou-se que essas medidas contribuíram para a redução do PIB em 2012, que caiu em 3,2%.
O impacto da austeridade, embora tenha sido temporariamente neutralizado por um crescimento moderado nos anos subsequentes, deixou marcas profundas na sociedade. De acordo com uma reportagem da "Agência Lusa", apenas em 2022, cerca de 24% da população portuguesa vivia em risco de pobreza ou exclusão social. Este dado alarmante revela um traço persistente da austeridade: a desigualdade cresce, enquanto a classe média se esmaga.
O Que Dizem os Números?
O Fórum Econômico Mundial indica que Portugal continua a ter uma das taxas de emprego mais elevadas na União Europeia, mas a qualidade dos empregos é uma questão alarmante. A percentagem de trabalhadores com contratos precários aumentou, com uma média de 13% da população ativa empregada em condições que não garantem estabilidade ou proteção social.
Além disso, a dívida pública, que se situava em 130% do PIB em 2014, foi bem gerida para 121% em 2023. Mas a pergunta que persistente se coloca é: a que custo? O economista João Ferreira, da Universidade de Coimbra, alerta que "se o serviço da dívida consome uma proporção demasiado elevada do orçamento do Estado, isso limita a capacidade de investimento em áreas críticas como a saúde e a educação".
A Saúde em Risco
O sector da saúde é um dos mais afectados. Com a pandemia, ficou evidente que o Serviço Nacional de Saúde (SNS), já debilitado por anos de cortes orçamentais, estava mal preparado para responder a uma crise de saúde pública. Dados da Direcção-Geral da Saúde revelam que em 2022, as listas de espera para cirurgias aumentaram em 27%, refletindo um sistema à beira do colapso.
E a situação não é menos preocupante nas escolas. Com o investimento educativo a representar apenas 3,5% do PIB, Portugal está longe do ideal estabelecido pela OCDE. Isto levanta questões sobre o futuro das novas gerações, que podem vir a sofrer com uma educação de baixa qualidade e uma insuficiência de quadros qualificados.
O Futuro da Austeridade
A questão que se coloca é a seguinte: estamos prestes a entrar numa nova era de austeridade? Com a inflação a subir e os custos de vida a disparar, os cidadãos portugueses estão a sentir a pressão nas suas carteiras. O governo, por sua vez, enfrenta um dilema: continuar a expandir o gasto público ou redobrar os esforços de austeridade para controlar a dívida?
Activistas e economistas têm-se manifestado contra quaisquer novas medidas austeras, alegando que já pagámos um preço elevado. O contexto internacional também é complicado, com a guerra na Ucrânia e as tensões geopolíticas a afectarem não apenas a economia, mas também a segurança e a estabilidade social.
Conclusão
Portugal está numa encruzilhada. A austeridade trouxe dores, mas também ensinou lições. As gerações presentes e futuras merecem uma resposta que vá além da simples gestão da dívida. É imperativo que se priorizem políticas que promovam maior equidade social e que preparem o país para os desafios imprevistos que se avizinham.
A sociedade portuguesa deve ser o palco de um debate robusto sobre o futuro económico, social e político do país. O legado da austeridade ainda pesa sobre os ombros de muitos. E as perguntas que emergem são claras: será que aprendemos com os erros do passado? Ou estamos condenados a repeti-los? Essa é a história que se desenrola à nossa frente.