A pandemia de COVID-19 deixou marcas profundas na sociedade portuguesa, expondo não apenas as fragilidades do sistema de saúde, como também as desigualdades sociais que persistem no país. Com a crisis sanitária a recuar, é urgente avaliar o legado deixado pela pandemia e encarar os desafios que emergem numa era pós-pandémica. Portugal, embora tenha sido elogiado por algumas das suas respostas à COVID-19, enfrenta agora questões críticas que exigem uma análise honesta e abrangente.
A Herança da Pandemia
Portugal aparentava ter uma gestão da pandemia relativamente eficaz, com altas taxas de vacinação e restrições rigorosas. Contudo, uma análise mais aprofundada revela que esta impressão pode ser enganadora. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2020 e 2022, as taxas de mortalidade por doenças não transmissíveis aumentaram significativamente, num fenómeno que foi amplamente ligado ao adiamento de cuidados médicos durante os períodos de confinamento. O sistema de saúde, já sobrecarregado antes da pandemia, viu-se na necessidade de adiar tratamentos cruciais, o que gerou um "efeito dominó" de problemas não resolvidos.
O Burner de Saúde Mental
Outro aspecto alarmante é o impacto direto da COVID-19 na saúde mental dos portugueses. Dados do último inquérito da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que cerca de 35% da população apresenta sinais de ansiedade, que se intensificaram durante e após a pandemia. A crise de saúde mental, muitas vezes negligenciada, está a exigir respostas imediatas. A falta de recursos, profissionais e estrutura adequada para lidar com este aumento nos problemas emocionais é um desafio que não pode ser ignorado.
Desigualdade e Acesso a Cuidados de Saúde
A pandemia revelou também as desigualdades existentes no acesso a cuidados de saúde. A Comissão de Igualdade e Cidadania da Assembleia da República indicou que as populações mais vulneráveis, como imigrantes e comunidades de baixa renda, estão a enfrentar barreiras crescentes no acesso a serviços de saúde. O relatório “Portugal na Encruzilhada” salienta que o acesso desigual é uma questão profundamente enraizada que precisa de uma abordagem integrada, envolvendo não só o sistema de saúde, mas também políticas sociais e económicas.
A Questão Financeira do SNS
A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um tema que continua a gerar críticas acesas. Com orçamentos limitados e a pressão de um envelhecimento populacional, o SNS enfrenta o dilema de como permanecer eficaz e acessível. Em 2023, a fatia do PIB dedicada à saúde baixou para cerca de 9,5%, num cenário onde a média da União Europeia se encontra acima dos 10%. Esta situação suscita questões sobre a priorização de investimentos na saúde pública, sobretudo num momento em que as necessidades só tendem a aumentar.
Respostas Inovadoras e Futuras Perspectivas
Ainda assim, Portugal tem explorado formas inovadoras de abordar os desafios emergentes. A implementação de consultas à distância e a digitalização dos serviços de saúde têm o potencial de melhorar o acesso e a eficiência, mas falta uma estratégia coerente que abarque toda a população. Além disso, a criação de redes de suporte comunitário para saúde mental começa a ganhar espaço, mas ainda carece de financiamento e apoio institucional.
Necessidade de Auditória e Responsabilização
A sociedade civil exige que os responsáveis políticos sejam responsabilizados pelas promessas não cumpridas e pela falta de um plano claro para a recuperação do SNS. Há uma crescente pressão para que se realizem auditorias independentes sobre a forma como os recursos foram utilizados durante a pandemia, garantindo que as lições aprendidas não sejam ignoradas.
Conclusão: Um Chamado à Ação
A crise de saúde em Portugal não terminou. À medida que o país avança para a normalidade pós-pandémica, é imperativo que se dê prioridade a uma abordagem que não apenas acabe com os problemas ocasionais, mas que enfrente de forma integral as causas subjacentes. A defesa de um SNS forte e inclusivo, que priorize a saúde mental e a igualdade no acesso, é uma responsabilidade que cabe a todos – cidadãos, profissionais de saúde e políticos. O futuro da saúde em Portugal depende da capacidade de, coletivamente, enfrentar esses desafios com coragem, inovação e um espírito de compromisso social.
A pandemia pode ter recuado, mas as suas cicatrizes ainda estão presentes. E é através da conscientização e ação imediata que Portugal pode realmente curar-se e fortalecer-se para o que está por vir.